28 Janeiro 2015
"Quando nosso Grande Pai Nhanderuvuçu viu a maldade dos homens, decidiu destruir a Terra. Mas antes, teve o cuidado de avisar o Grande Pajé Guiraypoty, ordenando-lhe que dançasse.", escreve Antonio Cechin, irmão marista.
Eis o artigo.
SEPÉ era índio da nação guarani. Seu povo habitava neste sul do continente, muitos séculos antes da chegada dos europeus, “desde o dilúvio” aprenderam a dizer os índios, logo depois de convertidos à fé bíblico-cristã.
Como guarani, Sepé, desde jovem, nas rodas de chimarrão, junto a um fogo de chão, foi escutando e aprendendo as histórias, os “causos”, as lendas e os costumes que seus antepassados, desde inúmeras gerações, transmitiam de pai para filho. Os cantos, as danças, os rituais, tudo expressava as vivências mais caras a todos. Sabemos que antes dos padres jesuítas chegarem, a língua guarani não era escrita, era somente falada. Daí o cuidado com que, em família, se cultivavam as tradições que haviam construído o povo, desde milênios. Não se podia perder a memória das mais caras tradições que vinham desde a sabedoria dos mais antigos.
Entre as histórias da Comunidade, havia uma preferida, que retornava sempre, com novos detalhes. É o mito fundante do povo Guarani. Trata-se, na realidade, do fato mais importante e mais determinante do modo de ser guarani. Os adultos e os velhos, nessa história, tinham um referencial permanente de projeto político, social e religioso, a ser concretizado. É aquilo que hoje costumamos chamar de UTOPIA.
Essa história, a UTOPIA GUARANI, marco originário de todo o povo e que alimenta a caminhada para frente, rumo ao futuro, leva o nome de “Yvy marã ei”. A melhor tradução em português é: “TERRA SEM MALES”
Imaginemos o menino, mais tarde o jovem Sepé Tiaraju, ladeado dos pais, do pajé da tribo, junto a amigos e vizinhos, atento à fala dos mais velhos sobre a YVI MARÃ EI:
“Quando nosso Grande Pai Nhanderuvuçu viu a maldade dos homens, decidiu destruir a Terra. Mas antes, teve o cuidado de avisar o Grande Pajé Guiraypoty, ordenando-lhe que dançasse.
Guiraypoty varou a noite inteira em danças de religião. Quando a dança do Grande Pajé terminou, Nhanderuvuçu, o Grande Pai, retirou um dos esteios que sustentam a Terra. Então sobreveio um incêndio devastador.
Guiraypoty fugiu do perigo, partindo com sua família para o leste, em direção ao mar. A fuga foi tão rápida que não houve tempo para plantar mandioca. Todos teriam morrido, não fosse o poder do Grande Pajé, que fez com que o alimento surgisse durante a viagem.
A família chegou ao litoral. O primeiro cuidado que tiveram, foi construir uma casa de madeira. Quando viessem as águas estariam bem protegidos, dentro de casa. Terminada a construção, retomaram a dança e o canto.
O perigo aumentava sempre mais. O mar, na ânsia de apagar o fogo, ia engolindo a terra toda. Quanto mais as águas subiam, mais Guiraypoty e sua família dançavam.
Para não serem tragados pelas águas, subiram todos no telhado da casa. Diante da situação Guiraypoty chorou porque teve medo. A mulher então lhe disse: “Se estás com medo, meu Pai, abre bem os braços para que as aves do céu, ao passar, possam pousar. Se sentarem em teu corpo, pede que nos levem para o alto.”
Mesmo em cima da casa, a mulher não cessava de bater ritmadamente a taquara contra o esteio da casa. As águas subiam, subiam.
Guiraypoty entoou então o nheengaraí que é o canto solene guarani.
Quando estavam prestes a ser tragados pelas águas, a casa se moveu, girou sobre si mesma, flutuou, subiu, subiu. Tão alto que chegou até a porta do céu. Ali estabeleceram sua morada definitiva.
Neste lugar em que chegaram, as plantas nascem por si próprias, sem precisar de quem as plante. A mandioca já vem transformada em farinha. A caça já chega abatida aos pés dos caçadores. As pessoas não envelhecem nem morrem. Não há, nesse lugar, sofrimento de espécie alguma.”
Terminada a narrativa seguia-se um longo silêncio em que todos se deliciavam na contemplação da feliz chegada à TERRA SEM MALES. Aos poucos, dos atentos ouvintes começavam a ser expressos curtos comentários sobre o que mais lhes havia calado na alma. Sentiam-se invadidos por uma mística, um fogo interior que os impelia para frente, na história, em busca da Terra Sem Males. Nesse mito fundante, se reconheciam lá atrás, como povo guarani semi-nômade, antes do ano de 1607, quando os primeiros europeus, na pessoa dos Padres Jesuítas, haviam feito o primeiro contato com a nação guarani.
Naquele tempo eram constituídos de pequenas comunidades que alcançavam em torno de umas 100 pessoas, coordenadas por um cacique.
Não foi por mero acaso que o povo guarani-missioneiro abraçou, aos poucos, com imensa alegria, a Boa Nova do Evangelho, trazida pelos Jesuítas, alicerçada na tradição bíblica vetero-testamentária da CONQUISTA DA TERRA PROMETIDA fornecedora de luminosidade total para a YVI MARÃ EI.
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São Sepé Tiaraju: O Guarani da “Terra sem Males”. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU